Inovações tecnológicas no tratamento de queimados
Data da publicação: 15 de setembro de 2020 Categoria: Sem categoriaAna Karoline Almeida da Silva ¹
Tatiana Ferreira de Oliveira²
Francisca Meiriane Pereira Lima³
As queimaduras podem ser originadas por exposição à elevadas ou diminutas temperaturas, por contato com produtos de origem química, choques elétricos e, ainda, proximidade com substâncias radioativas. São classificadas de acordo com a extensão e profundidade da lesão em 1°, 2° e 3° grau. Além disso, de acordo com o percentual da região corporal atingida, categorizam-se em leve, moderada ou grave. Podem acarretar incapacidades substanciais, desfigurações e sofrimento psicológico, sendo necessário um tratamento com a equipe multidisciplinar (SHPICHKA et al., 2019; KHADEM-REZAIYAN et al., 2020).
Constituem um relevante problema de saúde pública. Segundo o Ministério da Saúde (2018), estima-se que cerca de 1.000.000 de pessoas sejam acometidas anualmente por algum tipo de queimadura, e destes, aproximadamente 2.500 evoluem ao óbito por causas diretas ou indiretas. Os riscos envolvendo acidentes com queimaduras diferem em âmbito mundial, com taxa de mortalidade em países pobres 10 vezes maiores comparado a países desenvolvidos. As infecções são a principal determinante de morte nesses pacientes (ADVSORY, 2018; KHADEM-REZAIYAN et al., 2020; SAÚDE, 2020).
Na última década, o avanço tecnológico proporcionou resultados promissores na prestação do cuidado, sendo direcionado ao processo de recuperação em seus diferentes níveis de complexidade. As melhorias nas abordagens aumentaram a taxa de sobrevivência, principalmente relacionadas aos cuidados intensivos, suporte nutricional, aperfeiçoamento de técnicas cirúrgicas e cuidado de sequelas pós-queimadura (KEARNEY, FRANCIS, CLOVER, 2018, LANG et al., 2019).
A problemática das limitações do diagnóstico ser eminentemente clínico e passível de equívocos induz a busca pelo desenvolvimento de outras técnicas. Cada vez mais se tem estudado sobre a fisiopatologia da queimadura, em busca de potenciais biomarcadores de gravidade. A tecnologia se empenha no aprimoramento de exames de imagem, na histopatologia, marcadores biológicos e auxiliadores de cicatrização, tratamento com células tronco em países onde são permitidos, além de substitutos de pele (LANG et al., 2019).
No grande queimado, um dos principais tratamentos propostos é a utilização de enxertos para substituição do tecido perdido. São classificados em aloenxertos, quando o mesmo é derivado de origem humana e, xenoenxerto ou enxerto biológico, quando oriundo de fontes animais. Há poucos bancos de pele no Brasil, todos concentrados nas regiões Sul e Sudeste do país. Em virtude da relação oferta e procura desproporcional e alta incidência de procura, a demanda por um substituto de pele foi expandida (KEARNEY, FRANCIS, CLOVER, 2018, LANG et al., 2019).
Para auxiliar a cicatrização dos enxertos autólogos, estudos têm sido dirigidos à utilização do gel de fibrina como um recurso promissor. A fibrina é um componente empregue como selante. Proteína insolúvel, é formada no plasma humano em resposta à lesão do tecido. O gel de fibrina funciona como adesivo de pele e é superior, de acordo com estudos, aos grampos. Além do fechamento da ferida, o curativo permite a redução da resposta inflamatória, remove fatores que possam inibir a cicatrização e ainda permite a proteção dérmica do local (ADVISORY, 2018; LANG et al., 2019).
Outro composto descrito na literatura é a prata, para fins de auxílio à cicatrização pós transplante de pele. Utilizada como sulfadiazina tópica e, mais recentemente, através de curativos de prata nanocristalinos sob pressão. O custo do tratamento torna a terapia com nanocristalinos inviável e já foi tentada a substituição desse composto por mel. Testes estão sendo realizados com injeções intralesionais de agentes terapêuticos como o 5-fluorouracil, mitomicina C e a bleomicina. Desafiadoras, exigem repetidas injeções e mostram resultados modestos de efeito geral (LANG et al., 2019; SHPICHKA, 2019).
As terapias de laser e luz sofreram aperfeiçoamento ao longo dos anos, oferecendo dispositivos cada vez mais práticos e efetivos para a diminuição da cicatriz hipertrófica, melhora na pigmentação, na textura, mobilidade dos tecidos envolvidos e alívio da dor. Por oferecer uma abordagem minimamente invasiva e de baixo risco, podendo em sua maioria, ser associado a outras terapias sem efeitos colaterais, as perspectivas para sua aplicação são muito favoráveis (KLIFTO, K. M, et al., 2020).
A utilização da cultura de queratinócitos ou enxertos auto epiteliais, também tem sido estudada. Uma pequena amostra de material coletada do paciente, ao ser cultivada em autoenxertos possui grande potencial de expansão sendo capaz de produzir uma extensa camada de queratinócitos em um período de 3 a 5 semanas. De acordo com o estudo, essa camada funcionaria como um substituto epidérmico de classe II. O experimento foi realizado pela primeira vez em 1981. O potencial da técnica ainda está em estudo desde seu desenvolvimento, e pode ser utilizada no futuro como sucessor ao enxerto autólogo (KEARNEY, FRANCIS, CLOVER, 2018).
Em 2014, o cirurgião plástico cearense Edmar Maciel do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará, desenvolveu o uso da tilápia como curativo biológico. Em seu estudo, através da realização de análises histológicas realizadas com o material, constatou que a pele de tilápia possui propriedades semelhantes às da pele humana, como a elasticidade, tração, resistência e umidade. Em comparação a outros tipos de curativos biológicos, também em estudo, como a pele de porco e rã, o material retirado da tilápia mostrou resultados favoráveis à cicatrização e regeneração tecidual (JÚNIOR, 2017; KEARNEY, FRANCIS, CLOVER, 2018).
O professor John Greenwood do Royal Phils estuda a vasodilatação localizada e o extravasamento de líquidos como estratégia de substituição do enxerto. A escolha pela substituição se dá pela lógica de que citocinas, lipídios e derivados facilitam a excisão imediata permitindo o acesso de leucócitos e macrófagos a queimaduras de longa extensão. A técnica tem como objetivo restaurar a vascularização da ferida, decompor tecidos atingidos pela queimadura e promover a cicatrização de maneira mais rápida. Mais um benefício da técnica é a redução da contração da ferida durante a fase de remodelação o que confere melhor aspecto final à cicatriz. O uso de anti-inflamatórios oferece resistência à infecção (KEARNEY; FRANCIS; CLOVER, 2018).
De acordo com SHIPCHKA et. al. (2019), no futuro, a cicatrização de feridas e a modulação das cicatrizes dependerão do avanço nas pesquisas sobre células genitoras e tronco. Estudos sugerem que células tronco da medula óssea e derivadas, como as células tronco mesenquimais e as células progenitoras, como os endossomos são capazes de promover a reconstituição de tecidos lesionados por queimaduras. (LANG el al., 2019).
Concluindo, as limitações ocasionadas pelas queimaduras geram uma série de desordens funcionais, sociais e psicológicas ao paciente, o que produz um impacto negativo na qualidade de vida, nas capacidades funcionais e, frequentemente, afastamento permanente do trabalho. A fisioterapia, por sua vez, atua de forma ampla nas fases aguda a crônica visando promover independência funcional e qualidade de vida a curto e longo prazo no que compete a recuperação e prevenção de danos. As novas tecnologias surgem da necessidade de se criar novos procedimentos e estratégias que favoreçam a sobrevida, diminuindo a morbi-mortalidade e sequelas posteriores (PRESTES, et al., 2019; BONFIM, et al., 2019).
Referências
ADVISORY, Subcommittee et al. ISBI Practice Guidelines for Burn Care, Part 2. Burns: journal of the International Society for Burn Injuries, v. 44, n. 7, p. 1617, 2018.
BONFIM, Laís Cisa et al. Atuação Fisioterapêutica na reabilitação de pacientes queimados. Anais da XVI Mostra Acadêmica do Curso de Fisioterapia Unievangélica, Anápolis, v. 7, n. 1, p. 146-152, out. 2019.
JÚNIOR, Edmar Maciel Lima. Tecnologias inovadoras: uso da pele da tilápia do Nilo no tratamento de queimaduras e feridas. Rev Bras Queimaduras, v. 16, n. 1, p. 1-2, 2017.
KEARNEY, Laura; FRANCIS, Eamon C; CLOVER, Anthony Jp. New technologies in global burn care – a review of recent advances. Int J Burn Trauma. Ireland, p. 77-87. dez. 2018.
KHADEM-REZAIYAN, Majid et al. Epidemiology of severe burns in North-East of Iran: how is the burn size different in a developing country from developed ones?. : How is the burn size different in a developing country from developed ones?. Burns Open, [s.l.], v. 4, n. 1, p. 4-9, jan. 2020.
KLIFTO, Kevin M.; ASIF, Mohammed; HULTMAN, C. Scott. Laser management of hypertrophic burn scars: a comprehensive review. Burns e Trauma, Maryland, v. 8, n. 02, p. 1-6, jan. 2020
LANG, Thomas Charles et al. A Critical Update of the Assessment and Acute Management of Patients with Severe Burns. Advances In Wound Care,. Austrália, p. 607-633. fev. 2019.
PRESTES, Yandra Alves et al. Cinesioterapia aplicada em crianças e adultos queimados: Uma revisão integrativa da literatura. Revista Brasileira de Queimaduras, Espírito Santo, v. 1, n. 18, p. 1-6, out. 2019.
SAÚDE, Ministério da. Queimados. Disponível em: https://www.saude.gov.br/component/content/article/842-queimados/40990. Acesso em: 02 maio 2020.
SHPICHKA, Anastasia et al. Skin tissue regeneration for burn injury. Shpichka Et Al. Stem Cell Research & Therapy. Russia, p. 1-16. out. 2019.
-
Fisioterapeuta e Pesquisadora em Dor Crônica Disfuncional, membro do INOVA FISIO e GEFON (Grupo de Estudo e Pesquisa em Fisioterapia Oncológica e Cuidados Paliativos), da Universidade Federal do Ceará. E-mail: karolinealmeida.fisio@gmail.com
-
Fisioterapeuta e Pesquisadora em Dor Crônica Disfuncional. E-mail: tatianafe.oliveira@gmail.com
-
Fisioterapeuta Residente em Saúde Coletiva, pela Escola de Saúde pública do Ceará- ESP. E-mail: meiriannelima@yahoo.com.br
PARA CITAR:DA SILVA, Ana Karoline Almeida; DE OLIVEIRA, Tatiane Ferreira; LIMA, Francisca Meiriane Pereira. Inovações tecnológicas no tratamento de queimados. Portal do Núcleo de Pesquisas e Inovação tecnológica em Reabilitação Humana. Fortaleza: UFC Inovafisio, 2020. Disponível em: https://inovafisio.ufc.br/pt/inovacoes-tecnologicas-no-tratamento-de-queimados/. Acesso em: dia mês ano. |